domingo, 8 de novembro de 2009

Bolas de sabão

As bolas de sabão que esta criança

Se entretém a largar de uma palhinha

São translucidamente uma filosofia toda,

Alberto Caeiro, Poemas

A criança, de olhos muito abertos e deslocando-se sem parar, tenta prender, com os bracitos erguidos, as inúmeras bolas, que coloridas e fugazes, se balouçam suavemente sobre a sua cabeça antes de se extinguirem a caminho do chão. A criança ri, com risadas sonoras e límpidas que enchem a sala. O pai, com um leve sopro, faz renascer, sob o seu olhar ansioso, uma multidão de bolas que, em segundos, desaparecem no ar ou se perdem nos pequeninos dedos que não desistem de as apanhar.

A mãe, com a máquina fotográfica, tenta captar as melhores expressões da alegria esfusiante da criança que persiste em agarrar nas mãozitas de dedos muito abertos aquelas bolas leves e coloridas que tão rapidamente se desvanecem.

Eu observo, com uma ternura calada, aquele quadro que me encanta. E não posso deixar de pensar no nosso Caeiro, o poeta que não gosta de símbolos e para quem aquelas bolas são translucidamente uma filosofia toda, que de nada serve e nada explica, que nada acrescenta e é apenas ocupação de homens doidos.

Sim, eu entendo-o, a ele e aos seus discípulos, seus irmãos poetas, procurando, cada um a seu modo, uma explicação, uma justificação para a terrível aventura de estar vivo. Mas mesmo sabendo que o nosso poeta despreza todo e qualquer tipo de símbolo, ao contemplar esta cena feita de bolas de sabão e de risos pueris, ao ver o doce enlevo do olhar dos pais, não posso deixar de ver nela, como Reis muito provavelmente veria, o símbolo da fugacidade de tudo, da alegria, da infância, dos momentos de felicidade, da vida, enfim…

Tudo passa, nada dura, como Reis tão bem exprime. Mas são momentos como este, por breves que sejam, que ajudam a preencher a vida, lhe dão sentido e a transformam num bem que não pode ser negligenciado ou desprezado.

Helena Monteiro

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