Nome : Ana Patrícia Cruz Marques dos Reis
Idade : 26 anos
Passatempos : Cantar, dançar, ver filmes e séries, escrever, fotografia, ler, colorir, estar com a família e os amigos
Habilitações Literárias: Licenciatura em Comunicação Social e Educação Multimédia
Quando surgiu a ideia de fazer voluntariado?
A ideia surgiu de uma entrevista que vi, há alguns anos, com a Angelina Jolie, que é uma pessoa que , enquanto Embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas, passei a admirar imenso, sobretudo pelo trabalho que desenvolve junto dos refugiados. Durante a entrevista em questão, o jornalista questiona-a sobre a história que mais a comoveu nas suas visitas aos campos de refugiados, e foi impossível ficar indiferente ao que ela relatou – o que ela disse mexeu comigo de tal forma que fez com que, juntamente com duas amigas, me interessasse por fazer voluntariado local, na minha cidade, durante o período em que estudava na Universidade. Como a experiência foi muito positiva, comecei a ficar entusiasmada e foi então que surgiu a ideia de que poderia tentar o voluntariado internacional. Mas existiram também outros motivos que me levaram a querer fazer voluntariado. Sempre tive a ideia de que, se um dia formasse uma família, haveria certos valores que lhes queria transmitir, como o dar valor ao que se tem, o espírito de entre-ajuda, a tolerância e compreensão para com os outros e a generosidade. Ao pensar de que forma lhes poderia transmitir isso um dia – e porque acredito que as crianças aprendem mais com um exemplo do que com ensinamentos teóricos – decidi que uma boa maneira para o fazer, era eu própria pôr-me à prova, praticar esses sentimentos, para que um dia lhes pudesse contar, na primeira pessoa, e por experiência própria, tudo o que aprendi. Um terceiro motivo, foi o facto de achar que existem certas coisas que têm de ser vividas enquanto ainda somos jovens - quando ainda não temos encargos ou responsabilidades de maior - e pelas quais todos nós deveríamos passar um dia. A ideia de que só as notas da faculdade é que contam na hora de arranjar um emprego está completamente ultrapassada nos dias de hoje. Ter boas notas e uma licenciatura continua a ser importante, sim, mas tão ou mais importante é saber se a pessoa é dinâmica e pró-ativa. Hoje em dia, as empresas já não olham tanto para os resultados escolares, mas sim se a pessoa que vão empregar já viajou, já trabalhou, ou fez voluntariado, por exemplo. Querem saber se a pessoa que vão contratar consegue lidar com pressão, problemas inesperados, pessoas complicadas, e nenhuma dessas coisas se aprende na escola sentado a uma secretária. Aprende-se na viagem que se fez sozinho, onde nos perdemos pelo caminho e tivemos de nos desenrascar. Aprende-se com os colegas do trabalho de part-time que falam mal de nós nas costas, mas que temos de continuar a suportar porque precisamos do dinheiro no final do mês. Aprendemos com o voluntariado num lar de idosos para percebermos que todo o ser humano tem valor e merece o nosso respeito, e que podemos aprender muito com as experiências e os erros dos outros. Aprendemos no interrail que fazemos, quando temos de falar inglês para pedir o almoço num restaurante, e temos de nos fazer perceber junto do empregado que nos atende, mesmo que cometamos erros gramaticais na nossa conversação com ele, no workshop de culinária onde entramos sem sequer sabermos estrelar um ovo e saímos a saber fazer lombo assado no forno. É preciso arregaçar as mangas e ir à luta. Procurar saber, procurar fazer, arriscar. Mostrar-se interessado em aprender, em saber sempre mais, fazer sempre mais e melhor. Ser dinâmico e pró-ativo.
Por que razão a escolha do Quénia?
Por duas razões muito simples. Primeiro, porque é muitíssimo complicado encontrar um projeto com o qual nos identifiquemos e que seja fidedigno, sem que tenhamos de pagar para participar, sendo que normalmente os valores praticados, não só são absurdos, como não garantem necessariamente algum tipo de ajudas para o voluntário. Nunca compreendi a ideia de sermos cobrados por ajudar os outros, já que também ninguém nos paga para isso – daí chamar-se voluntariado. Segundo, porque foi, como se costuma dizer, a “cereja no topo do bolo”, uma vez que o Quénia sempre foi a minha viagem de sonho. Assim que encontrei um projeto com o qual me identifiquei e que preenchia os requisitos que queria, não hesitei. Deste modo, pude fazer voluntariado e ainda explorar e conhecer um pouco o país em questão.
Como foi a experiência?
Adorei! Não dá sequer para descrever. Acho que, e de uma maneira geral, temos uma visão bastante distorcida e ultrapassada de como é a vida em África, seja pelo lado positivo ou negativo. Se, por um lado, acreditamos que os negros são um povo preguiçoso, por outro temos uma visão muito romanceada do que podemos fazer para os ajudar e da forma como eles recebem e lidam com a nossa ajuda. Antes de ir para o Quénia – e estamos a falar de uma antiga colónia inglesa – tive dois amigos, um dos quais já havia estado em África a fazer voluntariado como médico, que me avisou logo sobre esta tal visão romanceada das coisas. Existem muitos interesses e jogos de bastidores. Da mesma maneira que pude comprovar que a ideia de que os negros são um povo preguiçoso, não é necessariamente verdade – embora, claro, haja exceções – também é verdade que o nosso poder de ajudar não é ilimitado e é muitas vezes incompreendido, mal interpretado ou tido como garantido. No Quénia, apercebi-me – por situações que vivi no dia-a-dia e por conversas que tive com moradores locais – que os negros se ressentem muito em relação ao povo branco – por motivos óbvios do passado – e que também eles têm uma visão distorcida de nós. Independentemente disto, foi o local, até hoje, onde mais gostei de estar, e espero um dia, quiçá num futuro próximo, regressar. Mesmo com os aspetos menos positivos, o balanço desta experiência de voluntariado no Quénia foi muito positivo, e em nada me desiludiu, pelo contrário, surpreendeu-me a cada instante.
Quanto tempo ficou lá?
Fiquei três meses.
Como eram a alimentação e o alojamento?
Os voluntários tinham direito, tal como as crianças da casa de acolhimento, a pelo menos três refeições por dia: pequeno-almoço, almoço e jantar. A comida era muito à base de hidratos de carbono, vegetais e fruta: arroz, esparguete, batata, feijão, cenoura, couve, lentilhas, ananás e banana. Ao pequeno-almoço, as crianças comiam sempre quatro fatias de pão de forma, com margarina, cada um, e porish - bebida tradicional inglesa, espécie de chá com leite. Os voluntários também. Uma vez por semana tinham direito a comer um ovo, para daí obterem proteínas. Os voluntários, por serem adultos, tinham direito a dois ovos. Uma vez por outra, comíamos carne, mas era raro. Sopa e peixe não havia. Tudo o que fosse snacks, almoçar ou jantar fora, ou se por ventura quiséssemos cozinhar algo diferente, teríamos de ser nós, com o nosso dinheiro pessoal, a comprar. Por vezes, para além de comprarmos para nós, também comprávamos coisas para o pequeno-almoço ou jantar para dar aos miúdos, para que eles provassem algo diferente, já que a ementa era quase sempre a mesma todos os dias: uns dias comprávamos chocolate em pó para o leite, ao pequeno-almoço; outros dias comprávamos bolo, ou fazíamos panquecas; chegámos também a comprar pizza. Foi a primeira vez que comeram, e adoraram, claro. Mas é preciso ir com uma mente bastante aberta e uma grande capacidade de aceitação da cultura, dos hábitos e das possibilidades limitadas do local para onde vamos. As condições em que as refeições na casa de acolhimento das crianças eram confecionadas eram muito precárias. Alguém que queira fazer voluntariado, já tem de ir com noção do local para onde vai. Quanto às habitações, os voluntários tinham direito a um quarto com cama individual na casa de acolhimento, gratuitamente. O quarto poderia ser partilhado com outro voluntário, do mesmo sexo, dependendo do número de voluntários na casa. Quando cheguei, por exemplo, dividi quarto com uma rapariga francesa, mas ela ficou apenas um mês. Fiquei o mês seguinte num quarto sozinha, sendo que no terceiro mês da minha estadia, já tive de dividir o quarto novamente, desta vez com uma rapariga da Argentina. Com a rapariga francesa, as coisas eram complicadas. O quarto era pequeno, e não nos dávamos muito bem, mas com a rapariga da Argentina, tudo correu muito bem. Novamente, é preciso ir de mente aberta, e estar disposto a muita coisa. Já os banhos, eram feitos com água do poço. Cada voluntário tinha direito a um balde de água por dia, para tomar banho: aproximadamente 7 litros. Curiosamente, não só é mais do que suficiente, como me foi muito fácil a adaptação aos banhos, coisa que inicialmente achava impossível.
O que mais a fazia feliz?
Poder estar com as crianças e proporcionar-lhes alguns momentos ou coisas que, embora num país como o nosso possam ser considerados “banais”, nas circunstâncias em questão, eram de uma importância muito grande. Lembro-me, por exemplo, da primeira vez que levámos os miúdos a um hotel local, para poderem usufruir da piscina e fazerem um piquenique. Os custos que tivemos nesta atividade que organizámos foram quase irrisórios, e ver a expressão das crianças ao entrar pela primeira vez numa piscina, a alegria, gratidão, felicidade e entusiasmo deles deu-me a mim e aos restantes voluntários um sentido de propósito, de missão cumprida, de alegria, como nunca hei-de esquecer. Poder viajar e conhecer certos locais no país da minha viagem de sonho também foi, como é óbvio, um dos pontos altos e mais felizes durante a minha estadia no Quénia.
Qual foi o momento mais marcante da viagem?
Acho que o momento mais marcante da viagem foi quando conheci um menino de 9 anos chamado Christopher. Ele tinha uma irmã gémea, a Christine, e com o tempo fui-me tornando muito próxima deles. Eles tiveram um início de vida bastante complicado e isso mexeu muito comigo. São filhos de pais separados e a mãe deles, tal como tinha feito a uma das suas filhas mais velhas, vendeu-os, quando ainda eram bebés, a uma família, sendo mais tarde apanhada pela polícia e os filhos entregues a ela de novo. Suspeita-se que ela seja prostituta e tenha levado já as filhas mais velhas para o mesmo caminho. É uma história muito dura de contar, mais difícil ainda de ouvir e não poder fazer nada, mas infelizmente a maioria das crianças com as quais tive contacto têm todas histórias deste género. Estas duas crianças em especial marcaram-me muito, e sei que as recordarei para sempre.
Como se pode participar neste programa de voluntariado?
O projeto do qual fiz parte no Quénia chama-se Makuyu Education Initiative e basicamente é responsável por cuidar de 15 crianças, de ambos os sexos, com idades entre os 6 e os 12 anos, cujos pais, por falta de condições ou interesse, não têm como lhes garantir condições básicas de sobrevivência. O projeto funciona como uma casa de acolhimento, as crianças vão à escola, mas dormem, fazem os trabalhos de casa e as refeições na casa. Para saberem mais informações sobre o projeto, e como podem ajudar e/ou participar, basta aceder ao site da organização ou à página do facebook – Makuyu Education Initiative - e entrar em contacto com um dos administradores da página por mensagem privada – que normalmente é o criador do projeto, ou um dos antigos voluntários - que responderá a quaisquer questões, e ajudará em todo o processo. Não existem pré-requisitos específicos para poder participar, e são bem-vindas pessoas de todas as áreas de formação. Cada um dá ao projeto aquilo que achar que tem para oferecer. Relativamente às condições, e como já mencionado anteriormente, a organização garante ao voluntário pelo menos três refeições por dia – do mesmo tipo de comida que as crianças comem – e alojamento, que poderá ser partilhado, ou não, mediante o número de voluntários na casa, na altura que o voluntário se candidatar. Todas as outras despesas, como o bilhete de avião, transportes, gastos com passaporte e visto, vacinas, medicamentos e extras (ex: snacks, viagens pelo Quénia, estadias em hotéis), ficam a cargo do voluntário, a título pessoal.
Que tipo de atividades eram feitas durante o voluntariado?
As atividades que eram feitas durante o voluntariado dependiam muito do número de voluntários, da duração da sua estadia no Quénia e da sua área de formação. Durante a semana, as crianças passavam a maior parte do tempo na escola, pelo que os voluntários aproveitavam esse tempo, ora para tratar de coisas de foro pessoal (ex: lavar a roupa, tomar banho, levantar/trocar dinheiro, ir ao supermercado, ligar à família) ou para realizar tarefas fora de casa (ex: criámos um crowdfunding que tínhamos de atualizar frequentemente, sendo que para isso precisávamos de nos deslocar até ao centro da cidade e ir para um hotel, para ter acesso à internet). Para além disso, podiam também aproveitar esse tempo para melhorar as infraestruturas da casa de acolhimento (pintar paredes, organizar a sala de estudos, limpar os quartos, recolher o lixo, ajudar na cozinha, etc). Ao fim de semana, ou quando as crianças chegavam da escola, tentávamos sempre passar o máximo de tempo com eles e fazer todo o tipo de atividades e brincadeiras, como trabalhos manuais ou ver filmes, por exemplo. Depois, mediante a área de cada voluntário, podíamos também dar-lhes aulas. Houve três voluntários, por exemplo, que o fizeram: um deu aulas de inglês, outra de matemática e informática e outra ainda de primeiros socorros. Uma coisa que também conseguimos foi, com algum do dinheiro do crowdfunding que fizemos, levar as crianças a ver os animais e à piscina. Foi a primeira vez, tanto numa situação quanto noutra e adoraram.
Se pudesse fazer mais alguma coisa por aquelas crianças, o que faria?
Apesar de estar de regresso a Portugal, continuo ligada ao projeto, embora de outra forma. Acho que o fundamental é garantir que o projeto continue, pois dele dependem 15 crianças e uma equipa local, composta por sete funcionários. Para isso, é preciso um grande apoio financeiro, que continue a financiar e a suportar os custos da casa de acolhimento, e isso só é possível através da divulgação constante do projeto, das experiências pessoais de cada voluntário, das atividades que são realizadas e dos objetivos que são alcançados. Assim sendo, o meu foco e o dos outros voluntários que já estiveram no Quénia - e o melhor que podemos fazer, tendo em conta os recursos que temos e o não estarmos no terreno - é o de dar a conhecer, promover e divulgar o Makuyu Education Initiative, quer junto de conhecidos e patrocinadores, quer das plataformas multimédia, na esperança de poder inspirar alguém a contribuir e fazer parte deste projeto, ora como voluntário, doando o seu tempo e boa vontade, ora como patrocinador. A título pessoal, e no caso dos gémeos, Christopher e Christine, que já mencionei há pouco, gostaria de um dia os poder adotar. Claro que o ideal, se pudesse, era adotar logo as 15 crianças de uma vez, mas infelizmente, não é possível.
Quando chegou lá o que a surpreendeu?
Acho que quando cheguei ao Quénia, e sendo a minha primeira vez num país africano, o que me surpreendeu mais não teve a ver com algo relacionado com o projeto de voluntariado do qual ia fazer parte, mas sim com o próprio país. Ao aterrar no Quénia, logo à chegada, e assim que pude ver os arredores de Nairobi, fiquei impressionada pelo clima ser tão semelhante a Portugal e por não existirem tantos animais como pensava que existiriam.
Houve alguma criança que a tenha marcado particularmente? Qual?
Como disse anteriormente, durante os três meses em que estive no Quénia, criei uma ligação muito forte com um casal de gémeos de 9 anos, o Christopher e a Christine, os quais gostaria de adotar um dia. Infelizmente, desde 2014, por falta de legislação sobre o assunto, o Quénia proibiu a adoção internacional, já que foi considerado um dos países de África, se não, o país, com maior tráfico de crianças. Ainda assim, mantenho viva a esperança de que um dia o panorama se altere, e com as condições certas, e se eles quiserem, os consiga adotar.
Por que razão decidiu fazer crowdfunding e para quê?
Em termos muito simples, e para quem não está familiarizado com o conceito, um crowdfunding é uma espécie de angariação de fundos que se faz através da internet, onde qualquer pessoa pode dar a conhecer uma ideia, causa ou projeto, estabelecer um objetivo financeiro a atingir, e tentar que esse objetivo seja cumprido, num período de tempo a definir por si, dando a conhecer essa mesma causa, problema ou projeto, aos demais – normalmente ao seu círculo de amigos, conhecidos e familiares – e pedindo-lhes que contribuam financeiramente com o que puderem, até que esse mesmo objetivo seja cumprido.
No caso do Makuyu Education Initiative, eu e a Isabel (uma outra voluntária do projeto vinda do Brasil), decidimos que o crowdfunding poderia ser uma boa aposta, pois havia muito que nós queríamos fazer pelas crianças da casa de acolhimento, sem que houvesse verba suficiente para tal. Deste modo, teríamos a verba de que necessitávamos, com a vantagem de que seríamos nós a gerir o dinheiro.
O que conseguiram comprar com os fundos angariados?
Em menos de três semanas, conseguimos angariar cerca de 1000 dólares, que era o nosso objetivo, através de doações de familiares, amigos e conhecidos, o que nos deu total liberdade para gerir o dinheiro, e consequentemente, gastá-lo naquilo que nos parecia mais urgente na altura: mandámos construir um estendal da roupa, fazer móveis novos para arrumar a roupa nos quartos das crianças, pintámos a casa, comprámos utensílios de cozinha, sapatos, uniformes para a escola, escovas de dentes, mochilas, material escolar, entre outros.
Quer deixar alguma mensagem aos leitores do Sinal?
Espero que, da mesma forma que fui inspirada por terceiros a experimentar o voluntariado, também eu tenha conseguido, através da minha experiência e relato pessoal, inspirar alguém a querer fazer o mesmo. O voluntariado tem como base a ajuda ao outro, mas, e sem que muitas vezes nos apercebamos, são os outros que acabam por nos ajudar. Valores como o respeito, a generosidade, a tolerância e compreensão são fundamentais para formar a base de qualquer indivíduo e experiências como esta são cada vez mais apreciadas e tidas em conta pelos empregadores da atualidade. Arrisquem, procurem saber, não se fiquem apenas pelo que os outros vos contam ou pelo que vocês acham que já sabem. Procurem ter uma mente aberta e ousar nas vossas escolhas enquanto ainda são jovens. Prometo que vão ganhar uma grande bagagem para a vossa vida, ter muitas histórias para contar e recordar e que não irão arrepender-se.